quinta-feira, 14 de junho de 2012

Nunca pare no meio


Olhos fechados, escuro e silêncio absoluto, consegue imaginar?
Então, comece a abrir os olhos e desobstruir a audição.
Uma luz branca invade quase todos os seus sentidos e um som de carros e buzinas aumentam enquanto você se dá conta da situação.
Lá estava eu, no meio da rua, do lado de um ônibus que obstruía a passagem de todos os carros que tentavam subir aquela avenida.
O cheiro do óleo diesel queimado, somando ao da gasolina e álcool dos carros do lado, encharcavam meus pulmões.
Além do barulho dos carros e das buzinas, uma pequena multidão de pessoas se aglomerava à minha volta e me faziam perguntas que eu não sabia responder.
Eu estava atordoado com aquela situação, não pensei que pudesse acontecer algo do tipo naquela manhã de domingo.
Domingo que amanheceu ensolarado, apesar do frio que aquelas manhãs traziam da madrugada.
O céu sem nuvens, azul de brigadeiro, me convidou a sair e desfrutar de minha nova câmera fotográfica, apesar de saber, que em dias nublados, as cores saem mais realistas.
Por morar perto do metrô, sempre saio com o mínimo necessário.
Desta vez, não foi diferente, não levei nada além dos óculos escuros, o bilhete único  a câmera fotográfica e uma filmadora, mini dv, que carrego sempre comigo, antiga, mas companheirona.
Em cinco minutos já estava dentro do vagão sem saber o que estava acontecendo nos vários cantos da cidade.
Mudei de linha na estação consolação, fui da verde para a amarela, e, alguns minutos depois, desembarquei na Luz.
Surpreendi-me ao ver que estava tendo uma exposição de carros antigos.
Foi legal, fotografá-los, um a um, modelo por modelo.



Perdi ótimos minutos observando detalhes tão bem guardados, poupados e restaurados naquelas raridades.
Queria poder ter ficado mais, mas, queria fazer algo diferente do que sempre faço, então, voltei para o metrô.
Já dentro do trem, observei no monitor, um chamado para uma exposição fotográfica no SESC Vila Mariana.
Ótimo, vou fazer algo diferente, li apressado e entendi que teriam máquinas em exposição, saí correndo e fui em direção à estação Vila Mariana, o título do evento era: “Câmeras Fotográficas Analógicas: De 1920 a 2000 no SESC Vila Mariana”.
Ao chegar, na estação Vila Mariana,observei no mapa da região e não encontrei o SESC.
Perguntei a um funcionário que me orientou a não descer nessa estação, e sim, na estação Ana Rosa.
Sem perder a passagem, voltei e peguei o próximo em direção à Ana Rosa.
Ao mesmo tempo em que fazia minha meu passeio, filmava minha saga na pequena e velha filmadora, que, mais uma vez, me acompanhara nessa aventura.
Chegando no SESC , me informei na recepção e fui direcionado para o vão do prédio, no térreo.
Lá haviam apenas fotografias,várias fotos tiradas em vários eventos, aparentemente, religiosos.
Não era o que eu pensei ter ido ver, de qualquer forma, apreciei as quase 50 fotos na exposição “Memória do Rito – Tradições Populares Italianas”  de Lamberto Scipioni, fotografei uma para guardar de recordação.
Saí do SESC, confesso: meio frustrado, no entanto, satisfeito por ter encarado uma ação diferente das de sempre.
Da mesma maneira que fiz para chegar ao SESC, refiz o caminho invertido para chegar ao Metrô.
Saí da rua Pelotas, entrei pela Humberto I, viraria na Av. Conselheiro Rodrigues Alves e subiria até a esquina com a Vergueiro, no metrô.
Meu domingo e minha vida mudariam nesse trajeto.
Depois de entrar na Humberto I, caminhei, desatentamente, lendo a revista com os eventos previstos, para o SESC, em Junho, pois, ainda não havia me convencido que fui  à exposição errada. No dia seguinte, eu perceberia que vi exposição errada, pois a exposição de câmeras fotográficas analógicas acontecia em outro ambiente, no mesmo SESC. Mas essa é uma outra história.
Continuei caminhando pela rua Humberto I e estava chegando na página 81, da revista, onde encontraria as apresentações da Vila Mariana, quando levantei  os olhos  e notei algo diferente acontecendo no cruzamento:
Vi uma moça, aquela que segura placa de imobiliária, conversando com um rapaz, no meio da faixa de pedestres, na verdade, ela foi se oferecer para ajudá-lo a atravessar.
Pude perceber que ele andava muito devagar sobre a faixa e ela o deixou e voltou para seu posto de expositora de placa.
Cheguei perto dela e, notando que o rapaz atravessava muito lentamente, perguntei se ela sabia o que estava acontecendo.
Ela respondeu que ele não queria ajuda, se alguém “encostasse nele”, ele travaria de vez.
Diante do fato, fiquei preocupado com a segurança do jovem e resolvi esperar até que ele terminasse a travessia.
Acontece que, do meu lado direito, na rua Humberto I, o semáforo estava fechado, e muitos motoristas, inclusive o de um ônibus, esperavam ansiosos pela luz verde.
Olhei para o rapaz e vi que não daria tempo, esperei para ver qual seria a reação dos motoristas quando o sinal abrisse.
Agora, relembrando tudo o que aconteceu, vejo que eu poderia ter feito um milhão de coisas diferentes e evitar o stress que aconteceria a seguir.
Quando o semáforo abriu, alguns carros que estavam do lado esquerdo do ônibus foram em linha reta sem precisar virar para a esquerda, onde o rapaz continuava sua difícil caminhada.
Infelizmente, o ônibus faria a conversão à esquerda e o motorista começou a manobra.
No meio da curva, o ônibus encostou sua lateral no moço, pensei que ele desabaria, ele parou, não caiu, suas pernas tremiam muito.
Ao ver aquilo, eu não poderia ficar como espectador daquela situação sem ajudar, teria que fazer algo, afinal para que existimos se não conseguimos intervir para melhorar ou ajudar a vida do próximo?
Não sei se o problema dele era neurológico ou psicológico, mas, o que interessava agora, era que ele estava no meio da pista, travado, e ouvindo um monte de buzinas que quebravam o silêncio daquela bela manhã.
O ônibus abriu a porta por onde saiu um senhor que foi logo tentando pegar o moço pelo braço.
Nessa hora, deixei de ser espectador e voei na frente daquele homem, e não permiti que ele tocasse no rapaz.
Comecei a intervir com todos que se aproximavam, e solicitei que saíssem da frente, para que a travessia pudesse ser concluída.
O impacto do ônibus não o machucou, mas atrapalhou sua concentração.
Nessa hora, uma pequena multidão estava se formando ao seu redor, e eu, como um louco, pedia que todos se afastassem, que ele queria apenas terminar de atravessar a rua.
Motoristas gritavam de dentro de seus carros, se dispondo a ajudar, e eu gritava de volta, negando tais ajudas.
Em poucos segundos, uma manhã tranquila se transformara em um evento incômodo de ruídos e situações inimagináveis.
Fiquei ao lado do jovem e notei que muitas lágrimas escorriam dos seus olhos.
Também chorei com ele nesse momento, não sei se ele percebeu, meus óculos ocultavam a reação de meus sentimentos.
Foram alguns minutos até que eu o deixasse, “ em segurança”, do outro lado da rua.
Perguntei se precisava de mais ajuda, e ele, ainda com muitas lágrimas escorrendo pelo rosto, me disse que não precisava mais de ajuda.
Saí andando de costas e continuei a observá-lo até que não o vi mais.
Subi a avenida Conselheiro Rodrigues Alves até o metrô, e até agora, mil perguntas me atormentam.
Porque não perguntei o nome do moço?
Porque não o ajudei mais?
Porque fui embora, enquanto faltavam muitos trechos para ele percorrer?
O que estou fazendo aqui, se na hora de se útil, paro na metade do caminho?
Nunca terei as respostas, mas sei que, se houver uma próxima vez, não vou parar no meio, irei até o fim.
Espero, de coração, que o rapaz que atravessava a rua, consiga atravessar seus problemas e os solucione, enquanto eu, permaneço tentando solucionar os meus.