quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Raimundo

Hoje fui visitar um amigo.
Ele já está velhinho, mas mantém suas p
ortas sempre abertas para quem quiser conversar.
Por alguns instantes, pude perceber o quanto a idade judia das pessoas, principalmente com ele, que mora ao relento, em uma grande avenida de São Paulo.

Hoje, ao conversar com ele, percebi o quanto está difícil se manter naquele lugar, mesmo assim, ele faz questão de permanecer por lá. Ele já não consegue cuidar de seus cabelos, disse que chegou a um ponto no qual não adianta mais tentar desembaraçar.
Pior é que o embaraçado cabelo, amontoado do lado direito de seu pescoço, o dificulta de realizar determinados movimentos.
Suas mãos estão trêmulas e suas palavras escritas, estão, se tornando a cada dia, mais difícil de ler.
Quando nos conhecemos, lembro-me bem, ele escrevia muito, mantinha um arquivo enorme de controle, cuidava, delicadamente, de cada assunto que dispunha em pequenos pedaços de papeis brancos.
Hoje, o seu Raimundo está cansado, mas continua disposto a escrever e permanece a maior parte dos dias, e às vezes da noite, escrevendo suas mensagens. Ao perguntar-lhe se está tudo bem, ele não reclama, diz que vive de doações, e que não pode reclamar.
Se oferecemos ajuda, ele nega, diz que tem tudo do que precisa.
Seu Raimundo de Arruda Sobrinho é esquizofrênico, seu calendário está um pouco mais avançado que o "nosso".
Hoje, ele já está em fevereiro de 2012, devidamente documentado nas ofertas me cedidas gentilmente.
Seu corpo muito debilitado, sua voz baixinha, mas, como sempre, muito lúcido no que fala, no manejo das palavras e em suas histórias de situações vividas ou "sonhadas" por ele.
Perto de suas coisas, ainda mantém uma lata de tinta de 18 litros, vazia, que é oferecida aos visitantes.
Funciona como uma pequena banqueta, permitindo que nós, visitantes, fiquemos mais confortáveis para ouvir suas histórias.
Foi uma conversa rápida, perguntei sobre sua saúde, se precisava de algum remédio ou algo para seus projetos (caneta, papel), mas só consegui saber que ele passou por uma pneumonia há pouco tempo.
E que ainda sente algumas dores nas costas.
Morando nas ruas de Sampa há quase trinta anos, e apesar de ter habilidades para se manter “saudável” morando em situação precária de infraestrutura, água e, principalmente, higiene, entendo que seja muito difícil permanecer imune a alguma doença. Sinto-me feliz cada vez que ele me oferece sua lata de tinta para sentar, pois sei que terei momentos de prazer ao ouvi-lo descrever situações fantásticas.
Criações que envolvem assuntos variados, design, cultura, psiquiatria.
Outro dia, em um assunto qualquer, ele comentou sobre psiquiatria, e falou um nome do qual eu nunca havia ouvido falar, um tal de Myra y Lopes, fui pesquisar mais tarde e descobri se tratar de um psiquiatra e escritor espanhol.
Raimundo, que é chamado de poeta por muitos que o conhecem, faz parte de uma legião de mais de cinco mil moradores de ruas de São Paulo, que tem uma história simples, mas que carrega consigo, uma grande vontade de compartilhar, seja seus escritos, seus contos, ou mesmo suas experiências como “ o condicionado”, nome que ele deu para traduzir sua condição de esquizofrênico, mas que traz, também, uma imensa carga de sabedoria.

Um comentário:

  1. http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/08/com-novo-visual-ex-morador-de-rua-diz-que-nao-se-adaptou-vida-em-go.html

    Importante comentar neste blog que o Raimundo está a salvo.

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